Monday, June 25, 2007

Crônica de um cotidiano infeliz




Há tempos que ando de um lado para o outro,
lembrando-me de coisas que não sei esquecer.
Chove aqui hoje, sabias?
Saio pela rua vazia, perambulando como cega,
e eis que surge de uma janela,
uma música que me ficou no ouvido o dia todo-
aquela... que lhe mandei por email, um dia,
com todo carinho, e que você nem sequer ouviu.
Enraiveço-me só de lembrar!
Quase caio. Resolvo voar um pouco... é mais seguro.
Fico sobrevoando a rua por horas a fio, procurando
um lugar seguro para aterrissar.
Corre-me o tempo... e você - onde andas, onde voas?
Caio-me por todos os lado. Caio-me vertiginosamente ao chão.
Amanhã, bem cedo, lembrarei de esquecê-lo!
Lembrarei de esquecê-lo todos os dias!
Lembrarei de lembrar, de lembrar-me de mim.

MIRA IRA

Publicado no Recanto das Letras em 09/05/2007

Tuesday, June 19, 2007

É só uma piadinha...





Lisboa, Portugal

Querido filho:

Escrevo-te esta linha para que saibas que o pai esta vivo.
Vou escrever bem devagar, pois sei que não consegues ler depressa.
Caso estejas sem tempo de escrever ao pai, manda uma carta
dizendo que quando estiveres mais tranquilo vais mandar notícias.
Se tu viesses hoje aqui em casa não irias reconhecer mais nada,
porque mudamos de casa. Temos agora uma máquina de lavar roupa.
Mas não trabalha muito bem. Na semana passada tua mãe pos uma camisas,
apertou o botão e nunca mais as vimos.Vai ver que esta marca Hydra
não e das melhores... Tua irmã Maria esta grávida. Mas ainda não sabemos
se vai ser menino ou menina. Portanto, não podemos te dizer se tu vais
ser tio ou tia...
Teu tio arranjou um bom emprego. Tem 12.300 homens abaixo dele.
Ele o responsável pelo corte da grama do cemitério.
Quem anda sumido teu primo Venancio, que morreu no ano passado.
Lembra-te do teu tio Joaquim? Então, afogou-se no mês passado
num depósito de vinho. Oito compadres dele tentaram salvá-lo,
mas o tio lutou bravamente contra eles.
O corpo foi cremado há duas semanas. Levaram oito dias
para apagar o incêndio. Teu irmão José continua o mesmo de sempre.
Semana passada fechou o carro com as chaves dentro.
Perdeu um tempão indo até a casa pegar a cópia da
chave, para poder tirar-nos todos de dentro do automóvel.
Estava um calor de rachar.
Esta carta te mando através do Gabriel, que vai amanhã para ai.
A propósito, será que podes pegá-lo no aeroporto?
Lembrei de uma coisa importante. Terás um problema para falar com o pai, caso decidas escrever-me. Não sei o endereço desta casa nova.
familia que morou aqui, antes de nós, tambem era portuguesa
e levou a placa da rua e o número da casa para não precisar mudar de endereço.
Se encontrares a Teresa, da-lhe um alô da minha parte.
Caso não a encontres, não precisas dizer nada. Adeus. Teu pai que te ama.
Manoel da Alcova

P.S.: Ia mandar-te 2000 escudos, mas fica para outra vez.
Já fechei o envelope.