Friday, July 13, 2007

Apaixonar-se por si mesmo!


Crônica de Martha Medeiros


E então, viver e não ter a vergonha de ser feliz...
Hoje é o momento ideal pra falar de sacanagem. Mas nada de ménage à trois, sexo selvagem e práticas perversas, sinto muito desiludi-lo. Pretendo, sim, é falar das sacanagens que fizeram com a gente.
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer,
só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos.
Não contaram pra nós que amor não é acionado nem chega com hora marcada.

Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.

Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um", duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.

Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.

Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.

Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas.

Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo prá gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém.

Wednesday, July 11, 2007

O Grande Botão Vermelho



Crônica de Diogo Mainardi


Eu tenho um filho com paralisia cerebral. Neil Young tem dois. Ele fez o hino da paralisia cerebral. É T-Bone, do disco Re-ac-tor. Neil Young repete uma mesma frase sem parar, por nove minutos e dez segundos:
Got mashed potatoes
Ain't got no T-bone
Ou: Tenho purê de batatas
Não tenho bisteca

A paralisia cerebral é uma anomalia motora. Meu filho anda errado, pega errado, fala errado. Quando é para soltar um músculo, ele contrai. Quando é para contrair, ele solta. O cérebro dá uma ordem, o corpo desobedece. É o motim do corpo contra o cérebro. Como o doutor Strangelove que se estrangula, com aquela sua "síndrome da mão alienígena".
O tratamento da paralisia cerebral consiste em repetir em casa e na fisioterapia os movimentos que os outros meninos aprendem instintivamente. Sobe. Desce. Rola para um lado. Rola para o outro. Abre. Fecha. Perna direita para a frente. Perna esquerda para a frente.
Neil Young teve dois filhos com paralisia cerebral com duas mulheres diferentes. Por isso ele é o chefe da nossa tribo. O primeiro filho se chama Zeke.O segundo se chama Ben. T-Bone é de 1981. Na época, Ben tinha 3 anos de idade. Ele era tratado pelo método Doman, um programa de terapia intensiva desenvolvido na Filadélfia, nos Estados Unidos. Eram doze horas por dia de terapia caseira, sete dias por semana.
Neil Young falou sobre o período:
– Nosso filho não engatinhava, e diziam que, se ele não conseguisse engatinhar, a culpa era nossa, porque não tínhamos seguido o programa direito. Sofremos uma lavagem cerebral para pensar que o único jeito de salvar nosso filho era o programa. Durou dezoito meses. Dezoito meses sem sair de casa.
Neil Young só podia trabalhar entre 2 e 6 da tarde. Foi nesse intervalo de quatro horas diárias que ele gravou Re-ac-tor. O resto do tempo era dedicado à terapia de Ben, repetindo obcecadamente sua rotina de movimentos. Batata. Bisteca. Batata. Bisteca. Batata. Bisteca. Batata.
O método Doman era uma seita. Ao longo dos anos, acabou perdendo adeptos. O conceito lamarckiano de que o uso contínuo podia moldar as características dos portadores de paralisia cerebral foi posto de lado. Era muita batata para pouca bisteca. Quando Neil Young percebeu isso, tudo mudou. Em vez de tentar adaptar Ben à realidade, ele passou a adaptar a realidade a Ben. Neil Young é um colecionador de trens elétricos. Como Ben era incapaz de acionar os trens, ele inventou um dispositivo para facilitar a operação. O dispositivo ficou conhecido como O Grande Botão Vermelho. Com O Grande Botão Vermelho, Ben podia finalmente abrir porteiras, engatar locomotivas, fazer o trem mudar de trilho, soltar fumaça e apitar.
Meu filho nunca se interessou por trens elétricos. Mas ele tem um Grande Botão Vermelho conectado a mim. Ele me liga e desliga quando quer. E me faz mudar de trilho, soltar fumaça e apitar.