Sunday, December 31, 2006

RECEITA DE ANO NOVO




Carlos Drummond de Andrade




Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ver,

novo até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta ou recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar

que por decreto da esperançaa partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um ano-novo que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.


Saturday, December 30, 2006


De cara lavada

Hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei

e a mesa de jantar onde fizemos planos
o quadro que fica atrás do bar

rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais

e as plantas que não regamos
coube tudo num caminhão de mudança

até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos.

Martha Medeiros

Wednesday, December 27, 2006


LIBERDADE

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pra ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma.
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

Sunday, December 24, 2006